Temos de nos habituar à inflação

Publicado
26 setembro 2022
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A surpresa persistente dos mercados face à resiliência da inflação e a consideração demasiado parcial dos fatores subjacentes ao aumento dos preços a longo prazo são os trampolins para o que será uma tendência duradoura. Neste contexto, a gestão ativa das obrigações continua certamente a ser uma componente importante da gestão diversificada.

O regresso da inflação após mais de 40 anos de ausência está a agitar os mercados. São poucos os traders que atualmente estão por detrás dos seus ecrãs que já estavam nos mercados em 1980. Será que ainda se lembram dos anos que empurraram a inflação norte-americana e europeia para níveis de 15%?

Para os que ainda acreditam que o estudo do passado pode ajudar-nos a compreender melhor o presente e a prever o futuro, há algumas lições importantes a aprender desse período. Estas permitem-nos compreender que temos muito a aprender com os anos 1965-1980 porque levaram à inflação através de um choque petrolífero que surgiu depois de um período prolongado de crescimento moderado dos preços; a mesma sequência a que assistimos atualmente.

Contudo, nem todos os intervenientes no setor financeiro encaram a erupção dos preços pós-Covid como o início de um autêntico ciclo inflacionista. As suas expectativas de inflação nos Estados Unidos estimam, efetivamente, um regresso de cerca de 2,75% em meados de 2023 e, posteriormente, uma estabilização de aproximadamente 3% nos anos seguintes, à semelhança de um aumento pontual tal como observámos apenas duas ou três vezes nas últimas quatro décadas.

Todavia, existem fatores inflacionistas estruturais a ter em conta: aspetos relativos à demografia (menos aforradores no mundo, menos jovens chineses a serem integrados no mercado de trabalho a todo o custo), ao comércio (descida do comércio mundial em percentagem do PIB e a sua desinflação competitiva, possível fim da descida de preços no comércio online), à sociologia (preferência pela ética em detrimento da eficácia imediata), ou ainda à transição energética.

Estas inversões das principais tendências tenderão a tornar a inflação resiliente. Será que alguns aumentos das taxas de juro diretoras por parte dos bancos centrais farão realmente desaparecer a inflação?

A recessão necessária para reduzir os preços ainda não se fez sentir

Atualmente, é difícil imaginar decisões semelhantes às tomadas em 1980 nos Estados Unidos, quando Paul Volcker, o então presidente da Reserva Federal (Fed), aumentou as taxas de juro diretoras para 20% num momento em que a inflação estava a cair para 10%. No mesmo ano, o Presidente Ronald Reagan interrompeu a espiral preços/salários ao despedir 11 400 controladores de tráfego aéreo da função pública devido a uma greve ilegal iniciada para exigir um aumento salarial. Foi também necessário que o enorme esforço de investimento por parte do setor petrolífero americano começasse a dar frutos no rescaldo do choque petrolífero de 1973 para desenvolver a produção local.

Do mesmo modo, muitos intervenientes no mercado acreditam que o fim das hostilidades na Ucrânia poria rapidamente fim ao aumento dos preços da energia. Mas, enquanto Vladimir Putin permanecer no poder, não há garantias de que as antigas fontes de abastecimento sejam reabertas rapidamente. Quanto a soluções alternativas, ainda não estão prontas, enquanto a diminuição dos investimentos nas energias fósseis nos últimos dez anos está inevitavelmente a ter um efeito inflacionista no seu custo. A existência da crise energética, apesar de uma China paralisada, mostra a gravidade da situação.

Por último, o fim da crise da Covid foi o catalisador da inflação, com a procura impulsionada por um apoio orçamental maciço nos Estados Unidos e a disrupção da oferta causada pelo encerramento das cadeias de produção. Durante esta crise, os consumidores americanos conseguiram constituir uma poupança excedentária equivalente a 12% do PIB norte-americano, o que os colocou numa posição privilegiada nas negociações salariais com os empregadores (+7% de aumento anual médio). Quando a inflação começar a cair, o crescimento dos salários será reduzido mais lentamente, produzindo ganhos salariais reais que irão sustentar o crescimento e reduzir a desinflação.

Assim, a recessão, que é necessária para conter os aumentos dos preços, não ocorrerá de imediato. E o atual Presidente da Fed, Jerome Powell, provavelmente não deixou de surpreender os mercados com a sua agressividade.

A surpresa persistente dos mercados face à resiliência da inflação, há muito analisada como "transitória", e a consideração demasiado parcial dos fatores subjacentes ao aumento dos preços a longo prazo são os trampolins para o que será uma tendência duradoura. Além disso, sendo a tolerância à dor o que é hoje, podemos assumir com segurança que assim que os primeiros sinais de inflação subjacente regressarem, os bancos centrais irão apressar-se a reduzir as taxas de juro. Demasiado cedo.

Quais são as consequências para os nossos investimentos?

Este regresso da inflação alimenta o ciclo económico através das ações que impõe aos bancos centrais. Este ambiente, desconhecido para muitos operadores do mercado, tende a favorecer uma gestão ativa. A inflação sustentável é uma hipótese séria que nos conduz a uma estruturação das nossas carteiras diversificadas em conformidade com o ciclo económico.

A exposição aos mercados de ações é contruída com base numa forte exposição aos títulos defensivos, por um lado, capazes de amortecer os episódios de recessão e, por outro lado, aos títulos que possam beneficiar de pressões inflacionistas, que são nefastas para a maioria das ações. A exposição global da carteira de ações é tornada variável através da utilização de futuros sobre índices de ações.

Contrariamente ao que se possa pensar, um clima económico inflacionista não é necessariamente negativo para a gestão de obrigações. As reversões da inflação são momentos muito importantes que abrem caminho para movimentos acentuados nos mercados obrigacionistas. A gestão ativa de obrigações baseada nos ciclos económicos permite a implementação de estratégias que podem tornar-se um fator determinante significativo do desempenho dos fundos em cada um dos subfundos dos mercados de rendimento fixo.

Numa fase de mercado em que se prevê uma descida da inflação, são implementadas estratégias de inclinação das curvas de rendimentos (aumentando o desvio entre as taxas a longo e a curto prazo). Estas são utilizadas em paralelo com estratégias mais direcionadas destinadas a tirar partido dos efeitos diretos da descida esperada das taxas de juro das obrigações, através da aquisição de obrigações.

Pelo contrário, as expectativas de uma inflação crescente resultarão em estratégias de achatamento ou de inversão da curva de rendimentos, em que as taxas de juro de longo prazo convergem para taxas de juro de curto prazo, ou mesmo cruzando-as para valores mais baixos.

As obrigações das empresas também registam uma elevada volatilidade em torno dos pontos de viragem da inflação. Todavia, a sua sensibilidade primária está relacionada com a atividade económica que permite, ou não, o reembolso das dívidas. O recente aumento das taxas de juro e as expectativas de um forte abrandamento económico estão a conduzir os rendimentos destes títulos para níveis muito atrativos graças ao alargamento das margens de crédito (aumento da perceção do risco).

A gestão ativa das obrigações continua certamente a ser uma componente importante da gestão diversificada num contexto inflacionista. Ter expectativas de um período prolongado de inflação não é de modo algum sinónimo de um mercado obrigacionista que serve apenas para causar perdas nas carteiras. Tal implica uma gestão ativa da componente obrigacionista, que pode tornar-se um fator determinante importante do desempenho positivo das carteiras.

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