Será que estamos perante uma mudança de liderança temática na Bolsa?

Carmignac’s Note

Publicado
16 maio 2024
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4 minutos de leitura

Durante o último meio século, as mudanças de década coincidiram com as mudanças de liderança nos mercados bolsistas mundiais

Em 1980, nove das dez maiores capitalizações bolsistas mundiais eram norte-americanas e seis eram empresas petrolíferas. A inflação atingiu o seu pico depois de quinze anos de tendência ascendente, impulsionada pelo aumento dos preços do petróleo, que as empresas petrolíferas norte-americanas conseguiram interromper nesse ano, após vários anos de fortes investimentos na exploração.

Em 1990, a economia japonesa observou uma recuperação impressionante, a qual criou condições propícias para a formação de uma das bolhas imobiliárias e financeiras mais extremas da história. Vários metros quadrados de escritórios mudaram de mãos a preços superiores a 200.000 dólares, o rácio EPS de toda a Bolsa de Tóquio ultrapassou 60; e os mais belos quadros Van Gogh do mundo encontravam-se nas paredes dos bancos e nas casas dos bilionários japoneses. Oito das dez maiores empresas mundiais eram japonesas e seis eram bancos.

Em 2000, a Internet era exclusivamente norte-americana e tinha-se tornado no sonho de todo o mundo. Os mercados estavam a prever múltiplos de volume de negócios a médio prazo para este setor. Sete das dez maiores capitalizações eram norte-americanas, das quais quatro pertenciam ao setor tecnológico. A estas juntaram-se duas empresas japonesas e uma alemã no setor das telecomunicações. Nos três anos seguintes, todos os títulos tecnológicos depreciaram acentuadamente. Deste modo, a Amazon perdeu 95% do seu valor antes de se tornar na gigante que é atualmente. Quem se recorda da Lucent Technologies, a nona capitalização mundial ao virar do milénio, agora diluída na Nokia?

Em 2010, era possível imaginar que a China iria tornar-se a maior potência mundial, com uma empresa petrolífera e dois bancos no top 10, antes do início de um longo período de fraco desempenho do universo emergente, o qual perdura no caso dos países desenvolvidos.

Em 2023, tal como em 2020, o domínio é novamente norte-americano e tecnológico, com a inteligência artificial a ser agora o principal motor desta dinâmica e apenas a empresa taiwanesa TSMC e a empresa chinesa Tencent a conseguirem intercalar-se com os campeões norte-americanos na parte inferior da lista.

Tal como os nossos amigos da Gavekal Research1 indicaram, existem duas alternâncias neste padrão cíclico decenal: uma alternância entre os Estados Unidos e o resto do mundo e uma alternância entre as temáticas de crescimento e as temáticas mais cíclicas, ou de valor, o que nos poderá levar a crer que o próximo pico não será norte-americano e terá um carácter cíclico. Qual o cenário suscetível de justificar uma temática global que favoreça as empresas cíclicas (ou de valor) fora dos Estados Unidos na década atual?

Para responder a esta questão, teremos de recuar até 1972. Nesse ano assistiu-se ao pico dos principais títulos de crescimento norte-americanos (as «Nifty Fifty2»), os quais apresentavam um desempenho muito superior ao do resto da costa americana desde o final dos anos 50. No entanto, estes registaram uma correção acentuada no final do episódio inflacionista de 1965-1969 antes de dispararem até ao final de 1972, altura em que uma segunda vaga de inflação provocada pelo choque petrolífero de 1973 pôs bruscamente termo à supremacia das «Nifty Fifty». Se substituirmos a supremacia das «Nifty Fifty» nos anos 60 pela das FANG3 na década de 2010, a vaga de inflação de 1965-1969 que conduziu à forte correção das «Nifty Fifty» pela inflação de 2020-2022 que resultou na queda vertiginosa das FANG em 2022 e, por fim, a recuperação de 1969-1972 pela de 2023-2024, estamos perante uma analogia interessante.

A prossecução desta analogia implicaria a chegada de uma segunda vaga de inflação, passível de desencadear uma mudança temática prevista, respeitando simultaneamente as alternâncias entre os Estados Unidos e o resto do mundo e entre os títulos de crescimento e os títulos cíclicos ou de valor. Uma segunda vaga de inflação poderia prejudicar as avaliações elevadas através dos seus efeitos multiplicadores sobre as taxas de juro a longo prazo e pesar mais sobre o mercado norte-americano, que alberga grande parte das empresas não cíclicas de crescimento e avaliações elevadas.

O despertar do Japão, a recuperação esperada da China, a aceleração indiana, a questão delicada do cabaz energético e o desvio orçamental norte-americano podem resultar em temáticas e geografias alternativas às megacapitalizações norte-americanas do setor tecnológico geral, contribuindo ao mesmo tempo para as pressões inflacionistas.

A fragilidade do dólar decorrente do desvio orçamental norte-americano deverá favorecer uma revalorização das ações não norte-americanas em dólares. Porém, antecipar que as megacapitalizações norte-americanas serão ultrapassadas pelas empresas de outros países até ao final da década, é um passo que ainda não ousamos dar, especialmente quando consideramos os seus avanços tecnológicos e a sua solidez financeira que lhes conferem uma capacidade invejável para resistir ao abrandamento mundial.

A possibilidade de uma segunda vaga de inflação, uma hipótese que tem os seus méritos, parece-nos ser suficientemente provável e uma fonte de impacto a ter em conta numa estratégia global de carteira, através da diversificação temática e geográfica gradual no sentido dos setores da velha economia e de zonas geográficas negligenciadas. Com toda a humildade, encontremo-nos daqui a seis ou sete anos para avaliar os benefícios da diversificação sugerida, exclusivamente baseada na observação de um padrão de ciclicidade muito bem estabelecido, ainda que de origem misteriosa.

1Gavekal Research, abril de 2024. 2«Nifty Fifty»: trata-se de cinquenta títulos de crescimento de grande visibilidade norte-americanos, considerados pouco sensíveis ao ciclo económico, que foram mais valorizados comparativamente ao resto do mercado de ações norte-americano. Estes títulos encontravam-se nos setores tecnológico, da saúde, do lazer e, em casos mais raros, industrial. Entre 1973 e 1980, a subida das taxas de juro provocou uma descida acentuada e persistente do seu valor. 3FANG: refere-se ao grupo de megacapitalizações norte-americanas com características variáveis, incluindo a Microsoft, Apple, Meta, Google, Amazon, Nvidia, Tesla, etc.

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