E Putin invade a Ucrânia... Rumo a uma nova ordem mundial?

Publicado
22 de março de 2022
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Frédéric Leroux, membro do comité de investimento estratégico da Carmignac, explica as consequências económicas e financeiras da guerra na Ucrânia para os investidores.

O que destacaria do mês que passou?

Frédéric Leroux: Tal como as restantes pessoas, a invasão da Ucrânia pela Rússia. Este acontecimento de grande escala, em primeiro lugar com implicações humanitárias e, em segundo, económicas, apanhou de surpresa a esmagadora maioria dos comentadores ocidentais e dos gestores como nós.

Quais foram os impactos desta invasão nos mercados financeiros?

F.L.: Os títulos de dívida russa perderam quase imediatamente 60% a 80% do seu valor. Simultaneamente, as ações russas cotadas na Grã-Bretanha – a maioria delas de bancos, produtores de petróleo ou outras matérias-primas industriais – perderam 92% a 99% do seu valor entre 16 de fevereiro e 1 de março, véspera da suspensão das cotações na Bolsa. Paralelamente, os preços do gás multiplicaram-se momentaneamente por dois e meio na Europa, enquanto os preços do petróleo aumentaram 55%.

E para a Carmignac?

F.L.: Esta invasão surgiu quando os nossos fundos obrigacionistas detinham dívida russa, numa percentagem reduzida mas impactante. Reduzida tendo em conta os sólidos indicadores fundamentais da dívida russa antes da sua entrada nesta guerra inesperada, e impactante tendo em conta os efeitos das sanções aplicadas à Rússia pelos ocidentais. A valorização de alguns dos nossos fundos ressentiu-se.

Como explica esta reação dos mercados financeiros?

F.L.: Há dois fatores distintos que permitem explicá-la. O primeiro é, evidentemente, o das sanções impostas à Rússia pelo mundo ocidental, entre as quais o embargo da compra de petróleo e gás russos pelos norte-americanos e britânicos; o banimento de alguns bancos do sistema de pagamentos internacionais SWIFT, proibindo os excluídos de receberem pagamentos pelas suas vendas; ou ainda o congelamento dos ativos do banco central russo no estrangeiro.

As autoridades russas também tomaram medidas de retaliação em resposta…

F.L.: Exatamente! As empresas russas brevemente deixarão de conseguir pagar os seus empréstimos em moeda estrangeira e algumas matérias-primas poderão deixar de ser exportáveis, contribuindo potencialmente para novos estrangulamentos nas cadeias de produção mundiais.

Sanções e medidas de retaliação correm o risco de ter fortes repercussões económicas…

F.L.: As sanções, muito pesadas a nível económico, são suscetíveis de esvair rapidamente a economia russa, mas os seus efeitos diretos e as medidas de retaliação em resposta às mesmas também afetarão o resto do mundo acelerando as tendências observadas antes do conflito: inflação e abrandamento económico.

E qual é o segundo fator de explicação desta viva reação bolsista?

F.L.: O segundo fator deste ajustamento violento dos preços dos ativos russos e da energia fóssil é o empenho do mundo financeiro mundial a favor de considerações ambientais, sociais e de governação (ESG). Este empenho visa favorecer o financiamento do desenvolvimento sustentável. No contexto da invasão russa, uma sociedade gestora, como é o caso da nossa, comprometida com esta abordagem, não poderia continuar a investir na Rússia como se nada tivesse acontecido.

É difícil investir em ações russas ou financiar o Estado russo nestas condições…

F.L.: Na Carmignac, tomámos a decisão de nos coibirmos, até nova ordem, da compra de títulos russos. Partilhada por muitos outros investidores, esta decisão contribuiu para aumentar a depreciação dos títulos russos, muito além do que seria meramente possível com as sanções económicas. Isto ilustra também as novas aspirações da sociedade: a vontade de uma economia mais «moral», que remeta para segundo plano a exigência de eficiência económica imediata.

Pelo que diz, parece que as consequências para a economia mundial podem ser muito pesadas…

F.L.: Já é possível observar que os efeitos deste conflito e as decisões que resultam do mesmo são potencialmente devastadores para toda a economia mundial. Tal poderá ter a vantagem de conduzir as negociações para o fim do conflito mais rapidamente do que o previsto…

A inflação já era uma das principais preocupações antes desta guerra. E agora?

F.L.: Ainda mais. As medidas que foram tomadas ou anunciadas poderão contribuir para instalar a inflação no nosso quotidiano e multiplicar as suas fontes. A aceleração da transição energética, o aumento dos orçamentos de armamento, a redefinição dos itinerários de abastecimento energético e a relocalização das produções são decisões que irão alimentar a inflação durante anos até produzirem alguma forma de eficiência económica. Neste sentido, o conflito poderá originar uma nova ordem económica.

O que quer dizer?

F.L.: Depois de quarenta anos marcados pelo abrandamento do aumento dos preços, baseado numa poderosa integração económica global e uma demografia virtuosa, poderá surgir um novo contexto. Uma nova ordem económica marcada por uma forma de economia mais fechada sobre si mesma, uma «desintegração» com vista a favorecer a independência industrial e energética, cuja necessidade foi vigorosamente revelada com a pandemia e as tensões geopolíticas.

Quais poderão ser as consequências desta situação?

F.L.: Esta inversão no sentido do aumento da inflação deverá devolver um esplendor há muito esquecido aos setores da velha economia, desde que as múltiplas limitações à sua reimplementação sejam racionalmente reanalisadas. Os avanços tecnológicos em curso deverão facilitar este regresso parcial ao mundo pré-invasão, prometendo conferir-lhe uma eficiência temível a longo prazo. Talvez seja este o «mundo do após-invasão».

Fontes: Carmignac, Bloomberg, 10/03/2022

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