Carta de Edouard Carmignac

Carta de Edouard Carmignac

Edouard Carmignac escreve sobre questões económicas, políticas e sociais actuais em cada trimestre.

Paris, 6 de outubro de 2022

Exmo(a). Senhor(a),

Perante a volatilidade extrema dos mercados financeiros experienciada este ano, muitos de vós deverão sentir uma perplexidade semelhante à que foi eloquentemente descrita por Bob Dylan:

«It’s getting dark, too dark to see, I feel like I’m knockin’ on heaven’s door»

As inúmeras incertezas atuais são, inquestionavelmente, motivo de ansiedade. Esta concentra-se principalmente nos três fatores seguintes, cujo resultado pode ser menos problemático do que o esperado:

  • O combate à inflação pelos bancos centrais. A forte queda da atividade provocada pela Covid suscitou um aumento sem precedentes da liquidez global, acompanhado por políticas orçamentais de relançamento igualmente inéditas. Por conseguinte, era legítimo prever no início do ano um aperto gradual das políticas monetárias. Porém a invasão da Ucrânia e o seu impacto significativo nos preços da energia e dos produtos agrícolas aumentou a inflação de ambos os lados do Atlântico para níveis próximos de 10%, tornando imperativo implementar políticas monetárias extremamente restritivas. Além disso, Jerome Powell, presidente da Fed, assume agora abertamente o risco de uma recessão. Que dimensão deverá esta recessão ter de atingir para reduzir significativamente as previsões inflacionistas e nomeadamente aliviar um mercado de trabalho norte-americano muito tenso? É difícil de estimar, uma vez que a Covid tornou o trabalho menos atrativo. Todavia, é provável que nos próximos meses muitos adeptos das pantufas regressem à atividade à medida que os seus receios de contágio de Covid e as suas poupanças acumuladas durante a pandemia diminuam e o seu poder de compra reduza face ao aumento dos preços. Porém, já não estamos nos anos 80 do Sr. Volcker. Atualmente, a menor tolerância a uma queda de atividade elimina, na nossa opinião, o risco de uma recessão severa. Mas, por agora, dado que a Fed tem um mandato claro para manter a inflação sob controlo, a América continuará a drenar a liquidez global, pesando nos preços do conjunto dos ativos, devendo o dólar continuar a valorizar.

  • A crise energética europeia. O choque é maior. O aumento da fatura energética aproxima-se dos 10% do PNB europeu, mas será em grande parte suportado pelos Estados. Adicionalmente, os atuais níveis de armazenamento de gás, o recurso às energias complementares e a implementação de incentivos à redução do consumo reduziram significativamente o risco de escassez no inverno. Porém, tais medidas não são sustentáveis e a competitividade das economias europeias está gravemente ameaçada. Além disso, o colapso do exército russo - que pensávamos ser provável no passado mês de abril - é suscetível de encurtar consideravelmente o mandato de V. Putin. Esta expectativa aumenta o risco de escalada, mas também torna mais provável uma alteração de regime no Kremlin.

  • O abrandamento da economia chinesa. A China já estava a lutar contra uma bolha imobiliária quando infligiu um golpe a si própria: o seguimento de uma política de "zero Covid" que paralizou uma parte significativa da atividade, de tal forma que quase 20% dos jovens com menos de 25 anos se encontram agora desempregados. Será esta política questionada após a reeleição de Xi Jinping no Congresso do Partido este mês, ou será necessário esperar até pelo Congresso Geral que terá lugar no próximo mês de março? Em qualquer caso, mais cedo ou mais tarde esta política terá de ser revista, o que deverá dar um forte impulso à economia chinesa que se tornou letárgica.

Concluindo, será que se justifica o pessimismo geral? A análise dos principais fatores de incerteza revela muitas oportunidades. Contudo, até que estas incertezas sejam, pelo menos parcialmente, resolvidas, continuaremos a assegurar a gestão dos riscos das nossas carteiras com particular diligência.

Melhores cumprimentos,

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