Trump 2.0

Carmignac’s Note

Publicado
21 de novembro de 2024
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De uma forma geral, os meios de comunicação social europeus apresentaram uma imagem extremamente negativa de Donald Trump durante a campanha eleitoral e este «Trump bashing» produziu efeitos ansiogénicos. Se Trump constituir uma ameaça, esta será sobretudo económica. Em vez de lamentarmos as suas palavras, posturas e exageros, inspiremo-nos no pragmatismo económico que demonstrou durante o seu primeiro mandato e no forte desejo que tem vindo a manifestar de tornar a administração do país mais eficiente. As únicas batalhas que se perdem de antemão são as que não começamos.

O regresso quase triunfante de Donald Trump à Casa Branca, para grande surpresa dos institutos de sondagem, mas não dos corretores de apostas, já está a ser encarado como uma promessa de mudanças significativas na economia, na geopolítica e a nível social. Mesmo antes de tomar posse, o Presidente eleito já nomeou grande parte dos seus Secretários de Estado, sendo estes geralmente defensores da linha dura de Trump. A conquista da maioria no Senado e na Câmara dos Representantes e, por conseguinte, no Congresso, confere ao futuro Presidente uma ampla margem de manobra para implementar o seu programa, cujos efeitos económicos deverão ser substanciais.

Qual é o programa?

No plano económico, Trump foi eleito graças a um mal-entendido. Por um lado, os democratas perderam devido à inflação e à perceção de uma deterioração continuada do nível de vida dos americanos. Embora a inflação tenha sido um fenómeno global, o aumento dos salários nos EUA atenuou consideravelmente o seu impacto sobre as famílias. Por outro lado, a política económica de Trump promete inflação no futuro próximo. O programa económico assenta em 5 pilares, sendo que os primeiros efeitos sentidos serão um maior crescimento e o aumento dos preços.

A redução dos fluxos migratórios, rapidamente alcançável, contribuirá para um aumento célere dos salários que se propagará a toda a economia. A progressão da redução das taxas de imposto (nomeadamente sobre as empresas), combinada com um movimento de desregulamentação substancial, contribuirá para uma melhoria significativa do sentimento dos empresários e das famílias. Este sentimento mais positivo já é percetível e deverá resultar em mais investimentos e consumo. De igual modo, o aumento das pautas aduaneiras facilitará a subida dos preços ao encarecer as importações e ao desencorajar os produtores nacionais de oferecerem os preços mais baixos. No que respeita à «reestruturação» da administração, esta poderá resultar numa maior eficiência da economia norte-americana e numa redução acentuada dos custos. Mas não será demasiado otimista antecipar resultados significativos a curto prazo, mesmo que Elon Musk seja o responsável? De igual modo, a «teoria Trumpiana» prevê que os direitos aduaneiros financiarão as diminuições de impostos, o que evitaria uma degradação das contas públicas e das necessidades de financiamento. No entanto, o aumento das pautas aduaneiras, de forma efetiva ou como arma de negociação, ocorrerá depois da redução dos impostos ou não ocorrerá de todo. Assim, podemos presumir com convicção que os primeiros efeitos da política económica de Trump corresponderão a um maior crescimento, inflação e deterioração das contas públicas.

No plano geopolítico, Trump não escapou à tentação isolacionista norte-americana. Este isolacionismo resultou num primeiro mandato particularmente pacífico: a decisão de reduzir a presença militar no Afeganistão, a ausência de novos conflitos (apenas um ataque de precisão bem-sucedido contra o Daesh), as tentativas de melhoria das relações com a Coreia do Norte. No entanto, também é necessário esclarecer o isolacionismo de Trump: em vez de renunciar a defesa dos seus «aliados», a América de Trump irá exigir que estes partilhem o encargo financeiro da proteção militar norte-americana. Trata-se de uma intenção regularmente expressa, semelhante à dos direitos aduaneiros, que, se concretizada, permitirá financiar os desequilíbrios americanos por meio de uma nova Pax Americana, mais mercantil do que a anterior.

Em termos de curto prazo, é de esperar que Trump tente pôr rapidamente termo à guerra na Ucrânia. Inversamente, poderá decidir prestar um apoio mais incondicional a Israel do que Biden, sobretudo na eventualidade de um conflito mais aberto com o Irão. No primeiro caso, os preços da energia registariam uma descida gradual, beneficiando a Europa, enquanto no segundo poderiam sofrer subidas acentuadas. A volatilidade dos preços da energia que poderá resultar de acontecimentos de grande importância nestas duas frentes pouparia principalmente os Estados Unidos, onde Trump favorecerá a produção local de energias fósseis e abandonará os esforços de preservação do ambiente.

A nível social, as suas intenções são perfeitamente claras. Se os Democratas perderam por causa da inflação, Trump ganhou graças à sua luta contra o wokismo. Assim, prometeu uma lei que reconhece apenas dois géneros nos Estados Unidos. Qualquer medida de discriminação positiva não será bem-vinda. As tensões nas Universidades poderão atingir um novo nível.

Consequências económicas e financeiras

As primeiras consequências económicas da implementação deste programa presidencial parecem ser claras. O excecionalismo norte-americano (crescimento custe o que custar) persistirá, acarretando pressões inflacionistas. A China parece estar mais preparada do que a Europa para a batalha económica que se avizinha, mas algum dia terá de ajudar os seus consumidores, fustigados pelo esvaziamento contínuo da bolha imobiliária chinesa. Além disso, deverá concentrar os seus esforços nos seus novos amigos do «Sul Global», a fim de lhes vender o que o Norte se prepara para tributar pesadamente. Enquanto os Estados Unidos enfrentarão um aumento da inflação, o Sul Global beneficiará de um aumento das importações chinesas a preços mais baixos. No que respeita à Europa, está a aproximar-se o momento de tomar decisões firmes. No entanto, ainda não está claro quem tomará essas decisões e garantirá a sua implementação. A Europa angelical está sozinha e desamparada perante os guerreiros chineses e norte-americanos. No imediato, precisa pelo menos de um Banco Central compreensivo.

No domínio dos mercados financeiros, embora seja sempre necessário permanecer prudente nas previsões, é difícil não acreditar na continuação do fortalecimento do dólar face às outras moedas principais, no abrandamento e na eventual cessação da descida das taxas de juro diretoras norte-americanas e na subida progressiva das taxas de juro das obrigações e das expetativas de inflação. Os setores de atividade e as empresas mais aptos a evitarem ser afetados por um dólar forte e por taxas de juro mais elevadas prosseguirão a sua valorização até que os efeitos de taxas de juro mais altas sobre a atualização dos resultados líquidos futuros ultrapassem a sua capacidade de crescimento, como foi o caso em 2022. Será provavelmente uma descida do valor dos ativos, resultante de taxas de juro demasiado elevadas, que desencadeará a próxima recessão nos EUA, através de um efeito de riqueza negativo. Só então poderemos começar a antecipar a reação dos mercados financeiros do resto do mundo face aos mercados norte-americanos, à medida que o dólar enfraquece. No entanto, ainda não chegamos a esse ponto.

Caveat emptor

Com Donald Trump, mais do que com qualquer outro político de relevo, é necessário estabelecer uma distinção clara entre as palavras que profere, que muitas vezes fazem parte de uma negociação, e as ações propriamente ditas. Trump é um homem instintivo e sem ideologias, o que o torna particularmente flexível e adaptável. Talvez seja essa, juntamente com a sua capacidade de resiliência extraordinária, a sua principal virtude nestes tempos de incerteza. A imprevisibilidade do homem é desconcertante, mas está em sintonia com os tempos. Assim, visto que tudo isso é inflacionista e, por conseguinte, algo que os norte-americanos não querem, não deveríamos prever que não haverá diminuições de impostos, nem novos direitos aduaneiros, nem deportações de «imigrantes sem documentos», nem uma redução drástica da imigração? O seu instinto pode conduzi-lo a esta apostasia.

Se fosse esse o caso, a maior parte do programa económico viria de Elon, outro amigo «imprevisível»: menos Estado, menos normas, menos burocracia, menos despesas desnecessárias, mais rapidez, mais inovação, mais criatividade, mais eficiência: mais crescimento e menos inflação. Um nirvana duradouro para os mercados financeiros norte-americanos e um profundo desgosto para os restantes. O futuro promete ser decisivo!

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